Há 5 anos, Aleixo Belov cortava o mastro do Três Marias para eternizar a história

Veleiro que deu três voltas ao mundo precisou passar por intervenção drástica para ocupar o casarão tombado no Santo Antônio Além do Carmo; relembre o episódio.
Publicado em 11 de dezembro de 2025
Foto: Divulgação

Quem visita hoje o imponente Museu do Mar, no Largo do Santo Antônio Além do Carmo, e se depara com o veleiro Três Marias reinando no pátio central, talvez não imagine a “cirurgia” dramática pela qual a embarcação passou para chegar ali. Há exatos cinco anos, em dezembro de 2020, o navegador e engenheiro Aleixo Belov protagonizava um dos momentos mais difíceis de sua trajetória em terra firme: o corte do mastro de seu barco mais icônico.

A operação não foi técnica, foi sentimental. O Três Marias, um Bruce Robert de 36 pés construído pelas próprias mãos de Belov em seu quintal, carregava a alma de três voltas ao mundo em solitário. No entanto, o pé-direito de 10 metros do casarão histórico escolhido para sediar o museu era insuficiente para os 13,20 metros do mastro. O impasse com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que negou a construção de uma claraboia no telhado, selou o destino da peça.

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“Não resistiu à caneta”

A frase dita por Belov à época ecoa até hoje como um lamento de quem entende que barcos têm vida. “O mastro resistiu a todas as tempestades durante as três longas viagens de volta ao mundo sozinho, mas não resistiu à caneta do Iphan”, declarou o comandante. Para um velejador, cortar o mastro é, simbolicamente, tirar a alma da embarcação.

Ainda assim, o sacrifício foi feito em nome da perpetuação da memória. Uma operação de guerra, envolvendo guindastes de grande porte e cálculos milimétricos, içou as oito toneladas de fibra de vidro e resina — materiais comprados a prazo na década de 1980, quando Belov “não tinha um tostão no bolso” — para dentro do edifício tombado. Hoje, o pedaço seccionado do mastro repousa ao lado do casco, como uma cicatriz de batalha que narra a tensão entre a preservação do patrimônio arquitetônico e a salvaguarda do patrimônio náutico.

O Legado do Ucraniano-Baiano

O Três Marias é a peça central de um acervo que resume a vida extraordinária de Aleixo Belov. Nascido na Ucrânia em meio à Segunda Guerra Mundial e radicado na Bahia desde os seis anos de idade, Belov transformou-se em uma lenda viva. Além das três circumnavegações com o Três Marias (batizado em homenagem às suas filhas e ex-esposa), ele construiu o Veleiro Escola Fraternidade, com o qual completou mais duas voltas ao globo.

Sua inquietude não cessou com a idade. Neste ano de 2025, o comandante adicionou mais um feito inédito à sua biografia: o Fraternidade tornou-se o primeiro veleiro das Américas a atravessar por completo a lendária Passagem Nordeste, navegando mais de 4.500 milhas náuticas pelas águas geladas da Sibéria russa.

Visite a História

O Museu do Mar Aleixo Belov guarda não apenas o Três Marias, mas cartas náuticas, búzios de todos os oceanos e a biblioteca pessoal do navegador. O espaço funciona de terça a domingo, no Largo do Santo Antônio Além do Carmo, nº 3, no Centro Histórico de Salvador. Uma oportunidade única de ver de perto a embarcação que, mesmo “mutilada”, continua a inspirar sonhos de liberdade e horizonte.

Museu do Mar Aleixo Belov